Toda Nudez Será Castigada

Toda Nudez Será Castigada, do genial dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), fala sobre a estreita ligação entre o puritanismo e a sexualidade exacerbada, através de um humor cheio de contundência e de um senso trágico transparente. A peça é protagonizada por um casal insólito: Herculano e Geni, ele um viúvo quase casto – que descobre em si uma sexualidade tardia; ela uma prostituta cheia de ambigüidade (“o meu amor é pena”) – que subverte a ordem vigente na família do viúvo. Ambos vão sendo aos poucos manipulados por Patrício, o irmão falido de Herculano, e, simplesmente, deixam-se levar por um amor regado a muito sexo, ciúme e traição. Patrício é um antagonista em estado bruto, um sujeito movido por um rancor desmedido, que arquiteta sua vingança, mas é ajudado pelo Destino, que parece tecer suas artimanhas para que seus planos, surpreendentemente, se mostrem ainda mais eficazes.

Convivendo com uma família só de tias, com um luto duradouro, e com a imagem do frágil filho do viúvo, a situação dos protagonistas faz uma síntese sobre a impossibilidade do amor. O que Herculano e Geni vivenciam em Toda Nudez Será Castigada é o que qualquer relação amorosa, de uma ou outra maneira, já experenciou: que amar é, também, esperar pelo outro que virá ou não virá, que me reconhecerá ou não me reconhecerá. E esperar pelo outro, o que parece um intervalo, um momento de vácuo, uma saudade, é, enfim, o que se chama “vida” – cheia de um misto de dúvidas, pequenas traições e uma imensa solidão.

Enquanto esperam que a hipocrisia dê uma trégua em suas vidas, os modernos heróis de Nelson Rodrigues vão entrando num jogo sem volta de dominação e humilhação. Neste momento, a partir de uma reviravolta dramatúrgica surpreendente, Serginho, o filho um tanto imbecilizado de Herculano, que, a princípio, parece somente um joguete na mão das tias solteironas, conduz todo o desfecho trágico do casal de amantes.

São personagens complexos, traduzidos com maestria pela prosa de Nelson Rodrigues. Mas, além deste material dramatúrgico extremamente belo e sólido, há também a estrutura narrativa proposta em Toda Nudez Será Castigada. E, então, a peça surpreende pela ousadia. Contada em flash-back a história abre mão de sua suposta maior surpresa (o suicídio de Geni) e trabalha com outros recursos expressivos, como quando coloca Herculano como uma espécie de “herói expressionista” oscilando entre a fé, a ciência, a sociedade - num entra e sai constante de personagens e diálogos fragmentados; ou quando (depois de uma cena em que a euforia de Herculano vem à tona) ocorre uma troca de protagonistas e passamos a acompanhar a trajetória de Geni.

Definido genericamente como uma ‘tragédia carioca’, essa ‘obsessão em 3 atos’ (como a nominou o autor) – por mais sombrio que seja o efeito que o ódio de Patrício ou os desencontros de Geni e Herculano produzam – oscila o tempo todo entre o cômico e o trágico. Suas cores mais sombrias estão sempre presentes, mas um humor desleixado e cínico dá relevo para a ação e deixa esse sombrio um tanto esmaecido. Humor e desespero. É um tempero primoroso, porque a matéria prima com a qual Nelson Rodrigues trabalha é “escavatória, imersiva, uma contração do espírito, uma descida”.

Toda Nudez Será Castigada talvez não seja confortável, talvez seja barulhenta como um “urso correndo no sótão”, talvez seja tão bela quanto “dançar um tango argentino”.

Paulo de Moraes (diretor)

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Críticas

“(…) O diretor Paulo de Moraes abandona qualquer conotação realista para buscar o caminho exploratório de uma tragicidade explodida. O aspecto quase delirante dos atos dos personagens se esgarça ainda mais para deixar que o humor do frasista e o trágico do moralista se encontrem numa montagem expressionista que distende os sentimentos até os limites da deformação.
O diretor rompe com os parâmetros realistas para ressaltar o conteúdo da carta escrita por uma suicida, em pesadelo de acontecimentos que se sucedem qual uma exposição de inconscientes em ebulição. Ao captar aquilo que perpassa a ação, como se o pesadelo fosse o objeto a ser encenado, Paulo de Moraes se utiliza de material mais volátil do que a fidelidade narrativa, ainda que a essência do texto seja mantida inalterável, apenas com a vívida carga da reinterpretação.
Há nesta versão de Toda Nudez Será Castigada perfeito equilíbrio da linguagem cênica com a visualidade, que se complementam numa unidade expressiva plenamente integrada ao texto. A cenografia segue a linha expressionista da encenação, com suas portas às quais se prendem os corpos dos atores e que se abrem e fecham em preciso tempo dramático. O uso destas portas determina muito do ritmo da montagem e, mesmo quando o seu uso se torna menos frequente, a força destas intervenções se mantém inalterada. (...) O elenco se ajusta muito bem à conformação do espetáculo, buscando em interpretações de contornos físicos exigentes e peculiar maneira de emitir as palavras a unidade de atuação. (...)”

Expressionismo até o limite
Macksen Luiz (crítico de teatro, Jornal do Brasil)


“Uma das melhores peças de Nelson Rodrigues, Toda Nudez Será Castigada tem como tema central o conflito entre puritanismo e sexo exacerbado, materializado no protagonista Herculano, que sofre profunda transformação após o contato com a prostituta Geni. Cercado por tias repressoras e tendo que administrar a doentia paixão do filho pela mãe falecida, Herculano cumpre uma trajetória em que o humor e trágico caminham o tempo todo de mãos dadas, como em geral ocorre nas peças de nosso maior dramaturgo. (...)
Em se tratando de Armazém Companhia de Teatro pode-se esperar tudo , menos montagens previsíveis, estruturadas de forma convencional. Aqui, no entanto, Paulo de Moraes exibe não apenas o seu reconhecido talento, mas também uma coragem digna de nota, já que abordou a obra como jamais havia sido feito. Ou seja: esqueceu por completo o naturalismo que lhe é inerente e partiu para uma versão que não apenas materializa na cena os conflitos propostos pelo autor, mas a eles confere uma dimensão alucinatória, como se tudo traduzisse, simultaneamente, fatos palpáveis e manifestações conturbadas do inconsciente.
Quanto ao elenco, mais uma vez estamos diante de profissionais maravilhosos, com irrepreensível preparo corporal e vocal, e plena consciência do que estão realizando em cena. E ainda que pareça injusto destacar algum trabalho, torna-se impossível não mencionar a extraordinária performance de Patrícia Selonk, uma das melhores e mais criativas atrizes deste país. (...)”

Montagem imperdível na Fundição
Lionel Fischer (crítico de teatro, Tribuna da Imprensa)


“(...) Toda Nudez Será Castigada se impôs como a melhor montagem do Armazém Companhia de Teatro. Não é pouco. Radicado desde 1998 no Rio de Janeiro, o grupo do diretor Paulo de Moraes já rendeu montagens inesquecíveis, como o Alice, fábula psicodélica e interativa adaptada de Lewis Carrol, e o recente A Caminho de Casa, reflexão vital sobre o terrorismo. Depois de 13 anos de dramaturgia própria, na qual celebravam "o encontro com o inesperado", enfrentam agora um texto difícil do unânime Nelson Rodrigues.
Não cedem ao consagrado: acrescentam a ele. Mais talvez que em outras peças de Nelson Rodrigues, a mistura da paródia e do melodrama, do grotesco e do sublime de Toda Nudez desnorteia tanto os que por excesso de zelo descartam qualquer humor como os que querem apenas rir às custas do patético caso de amor entre o puritano Herculano e a prostituta Geni.
Moraes situa a trama em um universo paralelo, alucinante, talvez o limbo da infância dos personagens. Livre de qualquer compromisso naturalista, brilha mais do que nunca a grande competência do grupo em relação ao espaço cênico. Portas giratórias deixam entrar personagens como lufadas de vento, uma luz ágil e múltipla dinamiza ao máximo a veloz carpintaria rodrigueana, e a meticulosa preparação corporal desenha cada personagem como uma peça de xadrez.
Tudo isso seria menor se não estivesse endossado por cada ator. Patrícia Selonk tem um carisma que a possibilita ser inesquecível em qualquer papel. Sua Geni, no entanto, incorpora de maneira especial a sua infãncia triunfante e melancólica, na qual o irônico não afasta o trágico. Thales Coutinho nunca esteve tão bem com seu Herculano, profundamente humano em sua fragilidade, preciso em cada passo.
(...) E quando à brilhante trilha sonora se acrescenta uma música inédita de Arrigo Barnabé, culminando a cena na qual Geni traça em sangue as palavras de Nelson Rodrigues em seu corpo, a convicção de estar presenciando um momento chave do teatro brasileiro é irresistível.”

Atores enfrentam bem Nelson Rodrigues
Sérgio Sálvia Coelho (crítico de teatro, Folha de São Paulo)


“Como todo mundo, gosto muito de Toda Nudez Será Castigada, que considero o melhor filme do Jabor, junto com Tudo Bem. Gosto muito do Nelson Rodrigues, principalmente dos excessos (grotescos e poéticos) que sempre me deixam de queixo caído. Me impressiona quando o Herculano berra que a mulher que morre de câncer no seio é uma santa. Nelson Rodrigues era louco de escrever uma coisa assim, louco e genial. Essa morbidez, essa paixão, transformadas em olhar sobre a classe média, me fascinam. Vi agora a montagem da Armazém Cia. de Teatro, com direção do Paulo de Moraes. Achei ótima, mas tive uma sensação curiosa. Em várias momentos, me pareceu que o Paulo estava colocando uns ‘cacos’ que a peça não tinha. Quando a Geni diz que os fricotes do Herculano são coisas de viado, por exemplo. Fui conferir no texto do Nelson, e tem, mas nunca tinha me chamado a atenção. Algumas coisas não estavam me convencendo. Estava achando o bordel delirante demais, com os dois travecos que fazem também o médico e o padre, mas na cena da dança da turma do bordel com as tias do Herculano, que achei a melhor, o casamento do vício e da virtude, as coisas todas se encaixaram, fazendo sentido. Gostei demais. Paulo ressaltou o papel do Herculano (e o ator Thales Coutinho me pareceu genial). Pela primeira vez, vi Toda Nudez como a história do Herculano, mais até que a da Geni. Ela, interpretada por Patrícia Selonk, me pareceu fantástica, também, com alguns momentos de arrepiar. Mas gostei muito, mesmo, foi da superposição de Shakespeare, Otelo, ao Nelson. É uma coisa que está lá no texto da peça, mas passa despercebida e o Paulo ressaltou. O ódio do irmão pelo Herculano, a maneira como ele tece sua trama, como Iago. Saí nas nuvens. A platéia era uma garotada só. Curtiam as cenas de nu frontal, os palavrões, as piadas, os efeitos, mas não era uma platéia desrespeitosa nem que não estava entendendo. Havia um clima de que todo o teatro participava. No fim, fazia tempo que não via uma peça ser tão aplaudida. E merecidamente.”

História de Herculano
Luiz Carlos Merten (crítico, O Estado de São Paulo)


“(...) A concepção visual do espetáculo é primorosa, com portas e painéis rotativos utilizados de forma surpreendente. O texto de Nelson Rodrigues, que ganhou a primeira montagem em 1965, continua debochado e incômodo, defendido por bons atores como Thales Coutinho (Herculano), Fabiano Medeiros (Patrício) e especialmente Patrícia Selonk, estrela da companhia, que dá voz e vida à prostituta Geni.”

Toda Nudez Será Castigada é um clássico
Lívia de Almeida (crítica de teatro, Revista Veja Rio)


“Junte o texto de um dos maiores dramaturgos brasileiros à encenação de alguns dos melhores atores teatrais do país. Adicione iluminação e sonoplastia magistrais e movimentos de cenário simples e dinâmicos que se transformam durante os atos. O resultado é a montagem de Toda Nudez será Castigada, peça de Nelson Rodrigues encenada pela Armazém Cia. de Teatro. Seguindo o tom célebre e inconfundível do autor, a trama é cheia de sexo e pudor, ciúmes e traição. (...) Na montagem da Armazém, dentre todos os méritos, o maior é dos atores. Patrícia Selonk incorpora Geni tão bem que chega a incomodar. Entra na personagem com profunda emoção e vigor, criando um retrato nervoso e delicado da prostituta devassa que teme a morte e a solidão. (...)”

Méritos da nudez
Gisela Blanco (crítica de teatro, Correio Braziliense)


“ (...) a companhia deixou de lado a dramaturgia própria e mergulhou no universo de Nelson Rodrigues. O resultado prova que não é preciso assinar um texto para ser autoral. As marcas da escrita cênica própria estão em cada segundo da montagem de Toda nudez será castigada. Quem acompanha a trajetória do grupo já pôde conferir a capacidade que o diretor Paulo de Moraes tem de criar imagens, aquelas cenas que parecem ter sido desenhadas em um quadro e, mesmo depois que a peça acabar, você nunca vai esquecer. Em Toda nudez essa característica atinge o grau máximo. (...) O melhor das atuações se concentra no núcleo principal, formado por Patrícia Selonk (Geni), Thales Coutinho (Herculano), Fabiano Medeiros (Patrício, irmão de Herculano) e Sérgio Medeiros (Serginho, filho de Herculano). A troca entre eles está tão bem orquestrada que não cai na armadilha comum aos textos de Nelson: a atuação derramada. Estão todos no limite correto, cheio de nuances. (...)”

Armazém de novidades
Carolina Braga (crítica de teatro, Estado de Minas)


“Apagam-se as luzes. Abrem-se as cortinas vermelhas do Theatro José de Al;encar. Começa o espetáculo com Herculano chorando a morte de Geni, que se despede com voz que soa transcendental e rancorosa: “Herculano, quem te fala é uma morta. Eu morri, me matei.” Geni, corpo estirado no chão. Herculano chorando desenfreadamente, no canto direito do palco. PAM! A onomatopéia é necessária. Na trilha do espetáculo, existem muitas músicas indescritíveis, mas que são imprescindíveis para caracterizar as mudanças de cena. Então, todos somem do palco, arrastados, puxados – simplesmente desaparecem.
Ao montar essa primeira cena, com trilha sonora instigante e fantásticos efeitos de iluminação, o diretor Paulo de Moraes demonstrou que tem um raciocínio privilegiado, uma criatividade complexa. (...)
Coxias? O que são coxias? Isso é tão last week quanto a palavra démodé. Cenário inteligente, isso sim. Ele impressiona, mas até a primeira troca de luzes é apenas um cenário. Até, disse. Um estrondo, outra onomatopéia: brum! E, de repente, o palco mudou! Magnífico! Portas de rodar, vidros translúcidos e a iluminação faz o seu papel: tons de vermelho ambientam o prostíbulo. Tons amarelados é a casa de Herculano, tudo numa mesma cena, sem abrir e fechar cortinas, criatividade premiada que realiza pequenos flashbacks na história do protagonista. Mas peraí... Estamos no fim do espetáculo, e Herculano? Cadê ele? Ela, bobinho. O protagonista mudou. Agora, é Geni. E você mal percebeu, só em casa é que nota o detalhe...”

Toda plateia será recompensada
Guilherme Cavalcante (crítico de teatro, O Povo - Fortaleza)

 


Ficha Técnica

De Nelson Rodrigues

Direção: Paulo de Moraes

Elenco:
Patrícia Selonk (Geni)
Thales Coutinho / Ricardo Martins (Herculano)
Fabiano Medeiros / Ricardo Martins / Marcelo Guerra (Patrício)
Sérgio Medeiros (Serginho)
Simone Mazzer (tia 1)
Stela Rabello / Verônica Rocha / Flávia Menezes (tia 2)
Isabel Pacheco (tia 3)
Simone Vianna (coro de putas/médico)
Raquel Karro (coro de putas/padre)
Marcelo Guerra / Marcos Martins (coro de putas/delegado)

Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Paulo de Moraes e Carla Berri
Figurinos: Rita Murtinho
Música Original: Arrigo Barnabé
Letra da Canção-Tema: Roberto Riberti
Músicos:
piano – Arrigo Barnabé
violoncelo – Raif Dantas Barreto
violino – Luis Amato
voz – Arrigo Barnabé e Simone Mazzer
Trilha Sonora Pesquisada: Paulo de Moraes
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Fotografias: Mauro Kury
Produção Executiva: Flávia Menezes e Joana D’Arc Costa
Patrocínio: Petrobras
Produção: Armazém Companhia de Teatro


Turnê

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Belo Horizonte
Londrina
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