Brás Cubas

Memórias Póstumas de Brás Cubas – o genial livro de Machado de Assis que serviu de inspiração para essa montagem, é uma obra prima lúdica que ampliou as possibilidades do romance. E Brás Cubas é um dos personagens mais icônicos da literatura brasileira, um sujeito pretensioso e prepotente, uma espécie de recordista de fracassos, que nos fala tanto sobre a formação da elite brasileira. 

A história segue o irresponsável e preguiçoso Brás Cubas enquanto ele – depois de morto – reflete sobre sua vida. Ele nunca se casou, nunca teve filhos. Suas ambições políticas foram frustradas. Mesmo suas amantes inspiraram nele apenas uma paixão morna. Mas há nele uma franqueza e uma aversão por si mesmo que são estonteantes.

É uma história de recusas. Brás se recusa a comprometer-se com qualquer coisa e qualquer pessoa. Sua vida é só uma sequência de incidentes. Como talvez, de resto, a vida de quase todos nós. O que ele persegue é a fama. Ser famoso é o desejo vazio e sem sentido que o leva a um tal distanciamento do mundo que, mesmo depois de morto, decide dedicar suas memórias não a qualquer pessoa, mas ao primeiro verme a roer a carne fria do seu cadáver.

Esse espetáculo é a tentativa de traduzir a experimentação formal de Machado de Assis e conversar com o publico de hoje. Machado de Assis foi um dos homens mais eruditos de seu tempo e o crítico literário Harold Bloom o destaca como “o supremo artista literário negro até hoje”. Mas é claro que muitas vezes, quando pegamos um livro escrito no final do século XIX, pensamos na possibilidade de uma linguagem mofada e envelhecida, que poderia nos afastar de imediato. Mas uma obra publicada em 1881 pode ainda ser surpreendentemente vanguardista nos dias de hoje?

Na nossa peça, o próprio Machado de Assis transforma-se em personagem. E sua figura é revista como a de um artista contemporâneo, rueiro, que materializa suas palavras a partir de dispositivos cênicos ou musicais. Está no palco, além do literato, o Machado de Assis que reflete sobre a condição dos escravizados, o cronista da cidade, o crítico teatral – facetas que o fazem tão determinante na construção da  nossa identidade nacional.

Para o funcionamento pleno dessa obra, criamos três planos cênicos que se misturam o tempo todo – e que conversam entre si: o plano narrativo (no qual o defunto narra suas memórias), o plano da ação (em que os acontecimentos da vida de Brás Cubas se materializam no palco) e o plano de construção (que coloca Machado de Assis interagindo com sua criação).

O teatro é um dispositivo de visibilidade: num determinado momento, somos todos espectadores da mesma cena visível. No entanto, a mistura de planos na cena oferece a possibilidade de acessar a obra a partir de uma visão fundamentalmente pessoal, porque na maioria das vezes, nem todos vemos as mesmas coisas. O que percebemos pode permanecer invisível para outras pessoas. E é aí – nessa experiência personalíssima – que talvez o teatro tenha a capacidade de iluminar nossas crenças e dúvidas, nossas emoções e pensamentos. 

Paulo de Moraes (diretor)

Fotos


Críticas

Com este Brás Cubas, Paulo de Moraes e a Armazém Companhia de Teatro dão mais uma lição de maturidade no entorno de um momento superior da arte teatral. Com sua vibrante gramática cênica e seu inventário dramático, plenos de contraponto critico e sabendo, antes de tudo, como sintonizar o seu enigmático tempo ancestral com o mundo de hoje.

Instigante incursão
Wagner Correa - Escrituras Cênicas

Com esse coletivo, Paulo de Moraes reitera a habilidade de fazer painéis cronistas, de muitas vozes, como se viu em “Casca de Noz” e “Pessoas Invisíveis”. É um painel no qual o espírito zombeteiro de Brás Cubas não é encosto e, sim, avatar para iluminar nossa cautela em relação às arapucas da institucionalização da desigualdade.

Brás Cubas traz estética ectoplasma em releitura de Paulo de Moraes
Rodrigo Fonseca - Rotacult

A direção e a adaptação buscam integrar a palavra na ação, naquilo em que possa trazê-la à cena de forma explícita, sem barateá-la nas conotações atribuídas pela “adaptação”. Pelo contrário, valoriza e amplia seus significados, em provocativos e coloridos capítulos/cenas. Paredes são pichadas, hip-hop é ouvido, cabeça de hipopótamo aparece de surpresa, cortejo carnavalesco é revisto como citação, em quadros figurados que trazem vigor de palco a fluxo narrativo de livro. 

Brás Cubas e seu duplo
Macksen Luiz - Blog Teatral


Ficha Técnica

A partir da obra de Machado de Assis

Direção: Paulo de Moraes
Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça

Elenco:
Sérgio Machado (Brás Cubas) 
Jopa Moraes (Defunto)
Bruno Lourenço (Machado de Assis + Capitão + Lobo Neves)
Isabel Pacheco (Virgília + A Louca + Zé NInguém)
Felipe Bustamante (Quincas Borba + O Pai + Cotrim)
Lorena Lima (Marcela + A Mãe + Sabina + Baronesa)

Músicos em Cena: Ricco Viana ou Rafael Tavares 

Cenografia: Carla Berri e Paulo de Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Carol Lobato
Direção Músical: Ricco Viana
Colaboração na Dramaturgia: Paulo de Moraes
Cabeça do Hipopótamo: Alex Grilli
Direção de Movimento: Patrícia Selonk e Paulo Mantuano
Fotografias e Videos: Mauro Kury
Designer Gráfico: Jopa Moraes
Assistente de Figurinos: Catarina
Assistente de Produção: Dimi Rumbelsperger
Assessoria de imprensa: Ney Motta
Produção Executiva: Sérgio Medeiros
Direção de Produção: Patrícia Selonk e Bruno Mariozz
Produção: Armazém Companhia de Teatro


Turnê

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