Hamlet

A história de Hamlet é a história da destruição de uma ordem estabelecida. A destruição de um tempo em que o consentimento coletivo (e inconsciente) à manipulação está em toda parte e ao redor de todos. Hamlet (a personagem) é o agente provocador da destruição desta ordem. E Shakespeare, pra quem desconhece, é um genial dramaturgo recém-descoberto, com algumas coisas urgentes a dizer sobre a guerra, sobre a loucura do mundo e sobre nossos líderes políticos modernos.

O mundo em Hamlet é uma representação. Todos tem seus papéis previamente determinados. E Hamlet (a personagem) faz parte deste mundo, embora não aceite o papel que lhe foi reservado. Isolado, persegue a verdade e tenta ser mais verdadeiro do que, provavelmente, é possível ser. No caminho, buscando conhecer a si mesmo integralmente e também conhecer integralmente as pessoas ao seu redor, Hamlet vai se fragmentando. Quando decide representar, escolhe a loucura como personagem. Mas nosso tempo é o caos e acontece um curto-circuito.

Eu estava ouvindo Heroin, na voz de Lou Reed
(I wish that I was born a thousand years ago
Away from the big city
Where a man cannot be free
Of all the evils of this town
And of himself and those around
Oh, and I guess that I just don't know)
quando pensei ter encontrado o tom que A Ratoeira teria em Hamlet.

A Ratoeira é a peça que Hamlet (a personagem) decide apresentar pra desmascarar o assassino de seu pai. E esse momento – quando Hamlet forma uma espécie de banda de garagem, de performance underground, pra tentar que a exposição tosca da verdade jogue uma certa luz sobre a história - é o ápice da loucura fingida de Hamlet. A partir dali, a loucura de Hamlet torna-se a loucura do mundo e vice-versa.

Ou seja, na loucura do mundo deste início de século (um tempo de dissenssões e insensibilidade sociais, de uma prontidão absurda para abusar do poder), Hamlet já não finge loucura, ganha a estatura de um não-herói e se transforma num personagem envolvido num jogo político muito maior do que ele. Prensado contra a parede, ele absorve a loucura de seu tempo e torna-se um sujeito destrutivo, atormentado e letal. Um Hamlet cheio de som e fúria.

A Elsinore de nosso tempo (o lugar desta história) é um perigo real. Lá, as esferas do público e do privado se confundem, estão indistintas. Todos espionam a todos. Alguém se sente seguro ali? Alguém ali? E Shakespeare, nosso genial e caótico dramaturgo, destila sua raiva, seu desespero, seu desejo de beleza e anseia por um mundo novo. O resto é silêncio?

Paulo de Moraes (diretor)

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Críticas

“O tempo é senhor dos homens, máquina de engolir gente. O teatro, a arte viva dos homens, é a nossa arma – ele revida, luta para ser o senhor do tempo. Mas o artifício acaba por ser luta perdida, apenas uma lição aprendida, mergulho na humanidade. A afirmação, ácida, é a matriz do melhor teatro. Pois então, comemore: ela rege, cristalina, a cena deste Hamlet sublime. Anote: é comovente, imperdível, arrebatador. Trata-se de uma montagem histórica para o teatro nacional.

A avaliação não é exercício de retórica ou malabarismo de palavras vazias. Várias razões fazem a grandeza histórica desta montagem. Sim, a base é um texto monumental, clássico absoluto. Mas importa destacar a visão proposta para o texto, a um só tempo ousada e pertinente. Há em cena uma abordagem sutil da poética do dramaturgo inglês, obra requintada da tradução e do garimpo de dramaturgia, realizados por Maurício Arruda de Mendonça.

Não é só. Dramaturgia, aqui, significa contracenar com a direção, passar pelo olho do diretor, apostar na profundidade do conceito. Num diálogo intenso com a concepção de cena de Paulo de Moraes, a linha dramatúrgica, colaborativa, permitiu a construção de uma tragédia do nosso tempo, atual, contemporânea, a revelação de que Shakespeare, mais do que qualquer outro poeta, traçou os pilares da contemporaneidade, situou os limites políticos que envolvem o cidadão moderno. A partir do texto, o espetáculo conversa com os impasses da nossa época. A direção é surpreendente, sensacional, instaura quebras e fissuras na percepção da cena, para que a História apareça como a senhora do hoje, aqui e agora.

Trabalho de grupo, de companhia, este Hamlet atesta a excelência adulta de um dos melhores coletivos teatrais do país. Assim, há uma criação cênica total, orgânica. A direção de cena comanda a direção de ator, o gesto dos atores amplifica a voltagem criativa, expõe o profundo compromisso com a arte, ato deliberado de fé no teatro.
Patrícia Selonk assina um Hamlet histórico, um desempenho monumental, construção de carne, afeto, razão desmedida, impossibilidade, flerte com o desejo humano desvairado de absoluto. A condição feminina faz parte da busca da contradição. Ela imprime ao personagem mais uma nota de oscilação e de incerteza sensível, fortalece a identificação do protagonista com a imagem patética do cidadão impotente do nosso tempo, a partir de uma intensa vibração afetiva subterrânea. 

O colorido se torna ainda mais intenso graças aos excelentes antagonistas. O contraponto surge forte na certeza do mal e na busca cega do poder, linhas vibrantes de Gertrudes e Claudius, exploradas com malícia serena por Isabel Pacheco e Ricardo Martins. E ecoa na vibrante entrega sentimental – e sensual – de Ofélia, uma espiral em filigrana delicada e apaixonante assinada por Lisa Eiras, responsável por uma das mais belas cenas da noite. Num figurino de veludo negro adornado com a histórica gola rufo elisabetana, a atriz materializa um momento de expressão lírica digno da grandeza de Shakespeare. Emocionante – leve um lenço. Correção e dedicação marcam os desempenhos de Marcos Martins (Polonius), Jopa Moraes (Laertes) e Luiz Felipe Leprevost (Horácio), parceiros sempre eficientes para o andamento das cenas. Adriano Garib, em participação especial, transforma o Espectro em interlocutor abissal, certeza sombria difusa, adequada para conduzir a rebelião cega diante do poder arbitrário.

A rigor, a montagem fornece material para um tratado de teatro, vários debates, belas reflexões. Há muito mais para ver, sentir, lembrar, pensar e levar para o fundo da alma neste espetáculo do que o que flutua em muito do nosso teatro ao redor. E o nome espetáculo precisa ser entendido aqui na sua acepção mais positiva. Trata-se de um espetáculo de teatro de verdade. Total.”

A Cavaleiro do Tempo
Tânia Brandão (crítica de teatro, blog Folias Teatrais)

 

“Em mais um grande acerto, a Armazém Companhia de Teatro equilibra com maestria o clássico e o contemporâneo nesta releitura da tragédia de Shakespeare. Patrícia Selonk dá uma aula de interpretação na pele do (quase) enlouquecido protagonista, muito bem acompanhada Lisa Eiras (Ofélia) e um amadurecido Jopa Moraes – que se desdobra em três papéis. Discretas referencias à realidade política do país também são muito bem exploradas.”

Clássico bem tratado
Renata Magalhães (crítica de teatro, Revista Veja Rio)

 

“A direção de Paulo de Moraes é de um artesanato criterioso, com soluções de efeito e inteligência teatral, que referendam a boa audição shakespeariana.
O primeiro ato reúne as características formais ampliadas numa sucessão de recursos surpreendentes. No segundo, o desenvolvimento da trama ganha o ritmo de um voo rasante. A cenografia de Carla Berri e Paulo de Moraes confere à caixa cênica a imponência de estrutura envidraçada, que se movimenta como anteparo de vilanias e abrigo de duelos. A iluminação de Maneco Quinderé define a coloração dramática de assassinatos e a luminosidade da maquinaria do palco com a autoridade de sua assinatura. O elenco está igualmente alinhado com a proposta vibrante do encenador.”

Hamlet vibrante
Macksen Luiz (crítico de teatro, O Globo)

 

“A montagem de Paulo de Moraes enfatiza não apenas a semelhança entre a Dinamarca da ficção e o Brasil atual, mas também o poder letal daqueles que conseguem superar a melancolia e o desespero e resolvem agir. E tal superação transcende o pessoal e se afigura como um gesto político. 
Valendo-se, como de hábito, de uma dinâmica cênica em que imperam soluções criativas, imprevistas e da mais alta expressividade, além disso o encenador conseguiu extrair uma das mais brilhantes performances de Patrícia Selonk. Na pele de Hamlet, a atriz potencializa ao máximo toda a fragilidade e potência do personagem, tornando verossímeis tanto a melancolia e inércia do personagem no início quanto a fúria devastadora que o domina a partir do momento em que decide efetivamente agir. E no que se refere ao célebre monólogo "Ser ou não ser", proferido em voz baixa e impregnado de uma dor que chega a ser exasperante, bastaria este breve e sublime momento para ratificar o que todos já sabem: Patrícia Selonk é uma das melhores intérpretes do país. “

Obra prima em belíssima versão
Lionel Fischer (crítico de teatro, blog Lionel Fischer)

 

"A escolha de Patrícia Selonk para interpretar o príncipe vingador foi ousada e certeira. Ela se entrega por completo ao personagem e sua performance é marcada por muitas nuances, conseguindo transmitir as angústias e contradições de um indivíduo à sombra da memória (e do ódio) do pai. 
Como Ofélia, Lisa Eiras rouba as poucas cenas em que aparece. A princípio enérgica e com sede de vida, a jovem vai sendo gradativamente minada pelos interesses do patriarcado, seja através da figura do seu pai, do irmão ou do amado Hamlet. O momento em que ela aparece para a plateia, já tomada pela loucura, é cortante em sua sutileza.
A Armazém mostra que Shakespeare é um autor essencialmente popular. Ele fala sobre o humano sem idealizações e não está confinado em uma torre de marfim que alguns críticos e estudiosos quiserem aprisioná-lo por séculos. Hamlet permanece atual porque a sombra da crueldade, da loucura, o questionamento do ser ou não ser, diz respeito à nossa natureza (ainda que muitas vezes queiramos negá-la)."

Hamlet é um retrato sobre nós
Márcio Bastos (crítico de teatro, Jornal do Commércio/Recife)


Ficha Técnica

Da obra de William Shakespeare

Direção: Paulo de Moraes
Versão Dramatúrgica: Maurício Arruda Mendonça

Elenco:
Patrícia Selonk (Hamlet) 
Ricardo Martins (Claudius) 
Marcos Martins (Polonius + Coveiro) 
Lisa Eiras (Ofélia) 
Jopa Moraes (Laertes + Guildenstern + Ator) 
Isabel Pacheco (Gertrudes)  
Luiz Felipe Leprevost (Horácio + Rosencrantz + Loba)
Participação em Vídeo: Adriano Garib (Espectro)

Cenografia: Carla Berri e Paulo de Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: João Marcelino e Carol Lobato
Música: Ricco Viana
Preparação Corporal: Patrícia Selonk
Coreografias: Toni Rodrigues
Preparador de Esgrima: Rodrigo Fontes
Fotografias: João Gabriel Monteiro, Mauro Kury, Guto Muniz e Leo Aversa 
Vídeos: João Gabriel Monteiro
Programação Visual: João Gabriel Monteiro e Jopa Moraes
Técnico de Palco: Regivaldo Moraes
Assistente de Produção: William Souza
Assessoria de imprensa: Ney Motta
Produção Executiva: Flávia Menezes
Patrocínio: Petrobras e Banco do Brasil
Produção: Armazém Companhia de Teatro


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